O empresário João Pedro Portinari Leão tem uma biografia repleta de aventuras que inclui uma mordida de tubarão. Parte II
Eureka: João Pedro Portinari Leão, Parte II, 2017.05.11
Citação: Leão, João Pedro Portinari. Entrevista de história oral conduzida pelo Forman, AJ e Di Leo, O. e Benchimol, Fania. 2017.0511, Água!nabara: Território Urca, Instituto Urca. Urca, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
O empresário João Pedro Portinari Leão tem uma biografia repleta de aventuras que inclui uma mordida de tubarão. Parte II
Áudio
Transcrição
JOÃO – Tinha dois, sendo que não eram gêmeos, então, assim, foi do dia pra
noite, sabe? Então assim– aí tem aquela do Legião Urbana: “Você culpa seus
pais por tudo, isso é um absurdo. São crianças como você, o que você vai
ser quando você crescer?”. Então, tipo, isso aí eu levo pra mim, eu falo:
“Cara, como é que eu vou educar uma pessoa?” se eu nem sabia, mal tava
começando a entender o que que eu era, né, no mundo, vamos dizer assim. E aí
já vieram duas crianças. Cara, o que eu consegui passar pra eles até hoje é
isso, é assim, cara–
ALEXANDRA – O nome desse barco é Capricho.
JOÃO – Linda essa lancha, né? Pra mim, eu adoro, até o cheiro do diesel eu
adoro. Esse barulho eu adoro também (risos). Aí tem que desligar o motor, ele
vai desligar, não pode ficar ligado aí.
ALEXANDRA – Eu acho que a gente pode continuar um pouco mesmo com o barulho da
lancha, né?
JOÃO – Você tem que me– você tem que me guiar aí, porque você
sabe que eu–
ALEXANDRA – Tá indo bem, tá mais ou menos contido. De vez em quando você sai,
mas você ta falando–
JOÃO – Quando eu sair vocês tem que puxar, que eu saio direto.
ALEXANDRA – Você tinha outra pergunta?
Não identificado – Tinha uma que me deixou curiosa em relação a vida, né?
JOÃO – É, o que eu aprendi da vida até o Sérgio Bernardes, não tem o
arquiteto? Ele tinha uma frase maravilhosa, que não sei se é dele, tá? Mas
chegou a mim por ele, que é o seguinte: “O mundo existe, porque você existe, o
dia que você morrer o mundo acaba”, e não é 100% do que eu levo pra vida, mas
é muito importante isso pra mim, e é isso que eu passo pros meus filhos, e é
isso que a minha família passou. Tipo assim: cara, é tão rápido e é só
uma, dizem que têm várias, depois vai que não seja, mas garantido só tem
essa, assim o que a gente sabe só tem essa, e é curta demais. Eu
literalmente penso assim: “São 80 voltas em volta do Sol, mais nada”. Então,
assim, porra, ou a gente vai de cabeça… Tanto que eu admiro pra caramba o
Cazuza, admiro os caras assim, que eu falo assim: “Caraca, cara, como que o cara
conseguiu?”, Cazuza é um cara que eu acho incrível, as letras dele, o que ele
conseguiu perceber da vida em tão pouco tempo, ele morreu moleque, né? E aí, Edgar!
EDGAR – Já saiu?
JOÃO – Não, não saí. Também, cara, acho que eu vou ficar aqui, mas aí
quando, ah.
EDGAR — (?)
JOÃO — Tá, mas você vai tá aí, não vai?
EDGAR – Vou tá aqui.
JOÃO – Daqui a pouco a gente tira, daqui a pouco eu já te ligo.
EDGAR – Tá tudo bem aí?
JOÃO – Tá tudo ótimo!
EDGAR – Se quiser alguma coisa liga pra mim.
JOÃO – Brigado, Edgar!
EDGAR – Até se você quiser sair pra dar alguma volta.
JOÃO – Não, não, não, tá bom.
ALEXANDRA – Então eu tenho uma pergunta. Eu queria saber, ao longo
da história da sua família, dos últimos 100 anos, quantas vezes entraram
tubarões? Quais são algumas das histórias dos tubarões mais antigos.
JOÃO – Então, tubarões entraram algumas vezes nas histórias. Vou tentar ir
na ordem cronológica das histórias de tubarão. Entrou uma que é clássica,
que, na verdade, meu pai e meu avô foram atacados por tubarão juntos em Cabo
Frio, em Arraial do Cabo, e essa história era uma história clássica da minha
família, porque dentro dessas rodas aí que você perguntou, sempre contavam
essa história, meu avô contava bem essa história. Então, quando meu avô
tava junto, meu avô era o mais velho duma geração que andava em torno dele,
ele era talvez 15. Meu avô, quando começou a caça submarina e no
ínicio, ele tinha a mesma idade de todo mundo, depois a galera foi ficando mais
velha, quando ele já tava com 60, ele andava com a galera de 40. Ele tinha uma
disposição física muito grande, então ele com 60 pescava igual a um cara de
40. Então ele andava com a galera de 40, que era meu pai, um pouco mais– tava
o meu pai, o meu primo, o meu tio e tal, eles andavam juntos– eu me perdi–
ALEXANDRA – Para nós–
JOÃO — Ah, é! Aí tem uma história. Essa história era do meu avô e meu pai
pescando em Arraial do Cabo, meu avô atira no olho de boi, meu pai namorado da
minha mãe ainda, meu pai com, sei lá, 18 anos de idade, meu avô atira num
peixe e meu avô tinha essa parada clássica, né? Ele mandava o meu pai ir lá:
“Oh, vai lá e confere”, aí o meu pai, pô, namorando a filha dele ia ter que
ir pros cafundós do Judas, né? Se ele falasse “Vai!”, tem que ir,
se não for– perdeu o peixe, perdeu a namorada, malandro. Tá achando o que?
Vai ficar nessa moleza? Não tem como. Aí meu pai foi lá, desceu, pum, deu o
segundo tiro no peixe. Aí, no que ele deu o segundo tiro, meu avô tava de cima
olhando, o peixe tava preso no cabo, o arpão, meu avô segurando em cima, ele
disse: “Vai lá e dá outro tiro”, o que é comum na caça submarina. Aí meu
pai desceu, no que o meu pai começou a descer, meu avô sentiu um puxão no pé
e olhou pra trás, no que ele olhou pra trás, ele viu um pé de pato dele
afundando assim devagarinho, aí ele já: “Caramba, o que que houve?”, e teve
que olhar pro meu pai, né? Que cê não pode largar– “Vou buscar meu pé de
pato largar tudo”, não dá, tá aqui, fica aqui. Aí ele ficou aqui, no que ele
olhou, um tubarão enorme passou assim entre ele e meu pai, meu pai mergulhando
e não viu de costas, e ele passou aqui assim. Aí meu pai deu o segundo tiro e
subiu, aí, no que ele subiu, chegou em cima meu avô tava berrando: “Tubarão,
tubarão, sobe no barco!”. Aí o barco tava o cara que, normalmente, quando
você faz caça submarina, cê leva um cara pra te acompanhar com o
barco, tá? Porque a caça submarina você vai embora, na correnteza então, se
você deixar o barco ancorado, depois você, enfim, quando você tem alguém que
possa te caicar. Tinha um cara caicando e minha mãe tava no barco. Essa
história que meu avô sempre levava minha mãe, as filhas, sempre mulher tavam
no barco. Aí minha mãe tava junto, aí eles chamam o barco. Tem até outra
coisa, que na hora que eles chamam o barco, o barco tá com problema lá, mas
isso eu nunca falo, porque é muito enrolado. Tipo, era no carburador, motor
não ligava, bem de filme, e o tubarãozão vindo. Aí o tubarão vem, cara, vai
lá no peixe e pega o peixe, pum, com os dois arpão, dois arpões e esse
tubarão vai e pega. Nisso a lancha chega e eles sobem na lancha, meu pai e meu
avô, né? Meu avô perdeu o pé de pato, e eles sobem na lancha. No que eles
sobem na lancha, cara, o tubarão faz a curva e vem pra cima da lancha, meu pai
fala assim: “Cara, igual filme”, o tubarão veio pra cima da lancha que nem um
torpedo assim oh, com o peixe na boca, com os arpões, veio pra cima
e o meu avô, cara, a história do meu avô era: o único peixe que ele não
matou, o tubarão, era o único peixe. Então, assim, quando tinha tubarão, o
meu avô pulava na água na hora, ele tinha fissura em matar um tubarão. Então
o tubarão vem pra cima, o meu avô não perde tempo, pega uma arma de cima do
barco e pau, dá um tiro de arpão, né? E o arpão pum no tubarão, na cabeça,
e o tubarão mergulha e larga. Aí, não, o tubarão vem, eles dão o tiro e
seguram os arpões, porque o tubarão veio pra cima da lancha, pra atacar a
lancha, cara. Aí ele segura os arpões e arranca os arpões do peixe, quando
eles seguram, o arpão sai. Aí o tubarão mergulha, já com um tiro e larga o
peixe, sei lá. Aí dá uma volta assim e volta a atacar a lancha, e no que ele
volta a atacar a lancha tomou outro tiro, pum, mas o tiro de arpão na época, o
arpão era dessa grossura, hoje em dia o arpão é fininho, mas era um canhão
os arpões da época. Aí toma o segundo tiro, aí o tubarão dá uma abalada e
fica parado, aí eles conseguem capturar o tubarão com os arpões e
botar assim a cabeça dele em cima da lancha, e aí pega o martelo, que na
época tinha o martelo que usava muito pra matar muito peixe grande, então se
botar um peixe grande meio morto, se o peixe acorda dentro do barco, ele afunda
o barco se debatendo, afunda o barco. Então eles tinham esse martelo de
borracha pra matar o peixe, aí eles batem pra caramba no tubarão, porrada pra
caramba, e “Acho que o tubarão tá morto”, aí o tubarão é enorme, não cabe
na lancha, jogam pra dentro d’água o tubarão, amarram o rabo dele e saem
rebocando o tubarão pra dentro do Arraial do Cabo, eles estão do lado de fora
do Arraial do Cabo, eles estão no focinho de Arraial do Cabo, um lugar bem
afastado, um lugar de alto mar, porque o Arraial do Cabo, ele está quase ao sul
do Rio de Janeiro, né? É mó viagem isso. Mas, enfim, aí eles vão rebocando
o tubarão, já uns 40 minutos rebocando o tubarão, todo amarrado, cheio de
porrada, dois arpões na cabeça– porra, cena de terror. Aí eles falam que, do
nada, o tubarão faz assim com o rabo, arranca, cara, isso aqui oh da
lancha, onde o tubarão tava amarrado, arranca tudo. “Puf” e o tubarão afunda e
some, eles não pegam o tubarão. Então essa é uma história, né? A outra é
que meu tio José Cláudio matou um tubarãozão gigante em Fernando de Noronha,
foi capa da National Geographic de 1960, sei lá, ele com o tubarão e– tem uma
história do meu pai também indo pra Búzios de lancha, pra pescar em
Saquarema, nas lajes de Saquarema, e meu pai sempre falava: “Porra, água azul,
eu caí na água, no que eu caí na água, meu irmão, veio um torpedo contra
mim, assim — ele falou — eu bati na água e voltei pra lancha do jeito que eu
bati na água, foi um tubarão gigante que veio do fundo assim e cheirou ele,
que ele foi: “Porra, tem um tubarão gigante” e pulou pra dentro da lancha e foi
embora, ninguém mais pescou. Cara– tem uma história lá do meu tio, de uma
tia minha, que tem uma foto lá em casa dela com o tubarão nos anos
30, que ela pescava com meu tio Manoel, então ela matou um tubarão. Eles foram
pra– foram pescar em, Manoel Luiz, que dizem que é um lugar que tem tubarão,
mas não viam tubarão. Cara, história de tubarão, pescador é cheio de
história de tubarão, então eu já nasci com história de tubarão, essa
história do meu pai, com a minha mãe e o meu avô, que o tubarão atacou eles,
saiu no jornal– tal. Pô, essa história, eu nasci com ela, toda hora o meu
avô contava essa história, o meu pai contava essa história, né? Meus tios,
todo mundo contava essa história desse tubarão, porque era uma coisa assim, a
gente nunca imaginou que alguém fosse ser atacado por um tubarão, eu nunca
imaginava que um tubarão atacasse, eu era totalmente crente de que o tubarão
jamais atacaria o ser humano, eu achava assim, a gente não faz parte da cadeia
alimentar do tubarão. Então, assim, a história de tubarão na minha família
sempre foi assim: “Porra, quando é que eu vou matar um tubarão?”,
eu ia pro mar eu ficava procurando barbatana– cara, quando eu via barbatana,
que era raro, eu voava em cima com a arma armada pra tipo assim: “Porra, vai ser
meu tubarão”, sabe? A coisa da ecologia, ela surge bem depois, bem depois.
Ecologia quem inventou foi o Jacques Cousteau, na minha opinião, com o Jacques
Cousteau na amazônia, os documentários do Jacques Cousteau, aquilo ali
começou a criar a ecologia, antes disso era tiro. Tudo, tudo! A Ecologia tem 50
anos, cara.
Não identificado – O que agredia o homem, quer dizer, não importa se é do
reino animal, se é um animal em extinção ou um animal raro, o que agredia o
homem era– Então o tubarão tem a coisa da violência e da rapidez no ataque, né?
JOÃO – Tem.
Não identificado – Agora, você já foi agredido por outros tubarões, sem ser
tubarão animal, na vida pessoal ou a sua família? Você responde se
você quiser.
JOÃO – Não, eu respondo. Posso te falar uma coisa?
Não identificado – Uma analogia do tubarão, bicho, e agressivo, e violento,
com a história pessoal da gente, de agressões, ou de violências, ou de
pessoas que são traiçoeiras, que têm uma certa coisa traiçoeira, você vai
atrás de um tubarão a sua vida inteira, pra matar um tubarão, de repente–
JOÃO – Não, mas nessa época eu já tava… é, mas eu já tava bem mais
ecologista, porque uma coisa é o seguinte. Claro, claro, claro. Oh, na… eu
vou te dizer uma coisa, cara, eu, na vida, eu só tive um problema de… Nunca
tive um tubarão na vida assim, fora d’água assim, sabe? De agressão. Nunca
briguei, nunca briguei de soco, nunca, até porque eu sei que vou apanhar e pra
brigar pra apanhar, eu também não faço, só brigo se for pra dar
porrada. Como eu não sou bom de briga, vou brigar com quem, meu irmão? Pra
apanhar? Então não brigo, nunca briguei. Quando o cara discute comigo eu falo:
“Tem razão, brother. Porra, corre aí…”, tipo, dentro d’água, surfando, o
cara “Ah, minha onda!”, “Pô, brother, todas as ondas são tuas, vai lá, quando
você tiver pegando a sua, eu pego a próxima”, eu não vou brigar com um cara
por causa de onda– Nunca briguei. Então, assim, eu tive um problema com um
sócio meu. Cara, tive um problema com duas pessoas juntas que se uniram e me
traíram em negócios, mas que eu nunca tinha feito essa analogia com tubarão
não, tá? Eu acho que eram mau caráter, sacou? Eu não vejo tubarão como uma
coisa mau caráter, entendeu? Eu vou te falar uma coisa que eu, que a gente vai,
eu sou mó defensor da imagem do tubarão, não assim “Oh, tubarãozinho”, não.
Cara, o tubarão tá lá, sacou? Eu acho que o ser humano é que tá invadindo o
território dele, assim, totalmente a conclusão que eu tive quando eu fui
atacado, não foi assim “Que filha da puta!”, sabe? Não, foi tipo
assim: “Caraca, meu irmão, eu viajei”. É, exatamente, eu viajei de tá ali.
Assim, graças a Deus que o tubarão é meu amigo e me deu uma mordida
cirúrgica, sabe? Tipo assim, toda história da mordida minha foi pra eu
sobreviver, porque assim qualquer coisa diferente do que aconteceu, o tempo, a
força da mordida, ou em jeito da mordida, eu não ia sobreviver. Sabe quando
você consegue, quando as coisas acontecem bem no limite? A história foi muito
dentro do limite. Então o tubarão no fundo– eu amo esse tubarão, sabe? É
uma coisa meio assim, então, assim, eu jamais compararia o Bruno, que é o cara
me sacaneou, e a Fernanda, são duas pessoas com quem eu tinha negócios que me
sacanearam, foi a vez na vida que eu tomei uma rasteira foi essa vez, mas o
tubarão não me deu uma rasteira, entendeu? O tubarão foi um
encontro. O tubarão me deu certeza. Eu tava numa época que eu tava meio assim:
“Pô, será que eu devia tá aqui?”, e aí eu tinha assim: “Cara, era pra eu tá
lá”, que era uma coisa muito importante dentro da minha história particular da
minha vida pessoal, que me diz assim: “João, você estava no lugar certo, na
hora certa”, e não assim “tava no lugar errado na hora errada”, pra mim é
assim, é o contrário, eu tava no lugar certo na hora certa. Na vida, eu posso
até contar a história do cara da fazenda de pérola, que eu tive uma fazenda
de pérola durante uns dez anos, e o meu sócio me deu uma volta aqui no Brasil,
com uma brasileira que era minha vendedora, uma história que posso contar aqui,
mas acho que vai sair um pouco. Agora já?
ALEXANDRA – Vamos pausar pra um segundo.
JOÃO – Cara, deixa eu tirar o som do meu, que o meu tá atrapalhando.
ALEXANDRA – Pode tirar o som do seu celular, tá.