Narração: Ricardo Gomes, 2018.01.24

Territorios: Baia de Guanabara
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00:00:00 - Sons da Baía de Guanabara

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Partial Transcript: RICARDO - Meu nome é Ricardo Gomez, estamos aqui na entrada da pista Cláudio Coutinho na Praia Vermelha. O que eu escuto?

OCTÁVIO - Sim, que sons têm?

RICARDO - Eu acho que foi uma das coisas que eu mais notei diferença nessa Baía de Guanabara, quando eu mergulhava aqui há 30 anos atrás, eu mergulhei agora, aumentou muito o ruído de navio. Eu mergulhei pra fazer esse filme “Baía Urbana" sozinho aqui na Urca, na enseada de Botafogo, sempre à noite. Tinham dias que era tanto barulho embaixo d’água, que o meu maior medo era… “Cara, que barulho ensurdecedor é esse?”, né? Era um barulho que era assim, oh: (imitação do som dos navios) constante, às vezes aumentava, eu ouvia os navios entrando na entrada da Baía de Guanabara, na Boca da Barra, né? Era uma coisa meio louca, assim, eu falei: “Caraca! Quero voltar com microfone pra gravar o som subaquático, pra gravar esses barulhos, né? Porque isso deve afetar muito a biodiversidade da Baía de Guanabara, os mamíferos aquáticos, então, sofrem com isso, né? Tem uma pesquisa do Maqua da UERJ, que a comunicação entre os botos da Baía de Guanabara, eles têm que se comunicar mais alto e mais constantemente pra eles conseguirem se ecolocalizar, né? Isso causa um estresse pra eles, e dentre todos os estresses que eles têm, de contaminação, de pesca acidental, que eles caem em redes e morrem… tem mais esse estresse, né? Que é a poluição sonora. Pouco se fala disso, é uma coisa ainda que tá começando a se estudar. Eu espero que a gente consiga acordar pra esses problema, antes que todos os mamíferos marinhos desapareçam do planeta. Na realidade, acho que não.

00:02:08 - O ser humano e a natureza

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Partial Transcript: RICARDO - Olhando aqui pra esse morro do Pão de Açúcar, né? Mergulhei sempre aqui com a vista do Pão de Açúcar, esse filme inteiro, e eu fiquei imaginando que a nossa passagem por esse planeta é muito rápida, né? Que esse Pão de Açúcar vai continuar aqui, que a vida marinha vai voltar a ser o que era depois que o homem desaparecer da face do planeta. Então, a gente fica achando que a natureza tá em perigo, mas a natureza não tá em perigo, quem tá em perigo é a natureza do nosso tempo, somos nós que estamos em perigo. Acho que tem essa sensação de que a gente domina a natureza, que o homem controla tudo, mas a gente não controla nada. Nosso tempo, pra escala de tempo desse planeta, o nosso tempo é ridículo, é irrisório, é aquele 0,000000000000000000000… infinitos zeros até chegar a um, aquele unzinho lá, depois de um bilhão de zeros, somos nós na escala de tempo desse planeta. Então, a gente tá conseguindo mexer na geologia do planeta como nunca antes aconteceu, né? Uma espécie conseguir influenciar no seu tempo de existência na geologia planetária. Acho que o Pão de Açúcar vai ficar aqui e nós vamos desaparecer da face da terra. Esse mesmo Pão de Açúcar aqui, daqui a milhões de anos vai tá aqui, essa pedra vai tá aqui, a vida no oceano vai voltar a ser o que era, talvez com novas espécies, né? E o homem, que se julga o rei dominador desse planeta, o homem vai desaparecer. Esse registro que a gente tá gravando em vídeo, foto, HD, CD, isso vai desaparecer, as construções de concreto vão desaparecer, o aço vai desaparecer. Talvez fique alguma coisa do registro da sociedade humana no planeta, talvez fique alguma coisa do que os egípcios gravaram nas pedras, nas pirâmides. Pra gente chegar onde a gente chegou aqui, a gente tá falando de bilhões de anos, né? De história evolutiva. E pra gente voltar pro meio aquático, aí tá falando de algumas centenas de milhões de anos, né? Eu acho que a gente não vai ter esse tempo evolutivo pra gente conseguir voltar pro meio aquático, né? Mas a gente tem tempo sim de entender que o oceano corre nas nossas veias, de entender que cada vez que a gente respira, cada vez que a gente bebe um gole d’água, a gente tá conectado com o oceano. Esse entendimento que nós somos também o meio líquido, que nós somos também o oceano, esse é o maior entendimento que a gente tem que ter, pra olhar pro mar com reverência, pra olhar pro mar agradecendo a vida que ele nos deu, porque não existe forma de vida no planeta hoje que não dependa do mar pra sobreviver. Esse é o nosso ponto, né? Eu acredito que a gente vai conseguir, porque o homem tem a capacidade de mudança, a gente pode de um dia pro outro mudar a nossa vida, a gente pode se adaptar… Eu acho que levantar a bandeira da preservação oceânica, levantar a bandeira da importância dos serviços ecossistêmicos que o oceano presta pra sociedade, dos serviços ecossistêmicos que o oceano presta pra toda forma de vida no planeta, né? Mais de 50% do oxigênio da atmosfera vem da fotossíntese marinha, né? Essa é uma analogia assim, pô, aquele cara que a mãe sempre cuidou muito, ele “Não, para, mãe. Não me enche o saco”, nunca deu bola pra mãe dele… e de repente a mãe dele morre, aí ele começa a ver “Puxa, cara, eu daria tudo na minha vida pra ta com a minha mãe de novo, fazer um cafunezinho na cabeça dela e falar: ‘Mãe, muito obrigado!’”, essa é a nossa relação com o oceano, né? É aquela mãe que nos deu a vida e que a gente não dá o devido valor pra ela, até o ar começar a faltar, o oxigênio começar a ficar rarefeito na atmosfera, porque já tem estudos aí que a gente já tá perdendo oxigênio na atmosfera por conta do desequilíbrio dos oceanos, acho que nos últimos anos já perdemos 3%, coisa assim, parece pouco, né? Mas na escala de vida de uma pessoa de 90 anos, mas, se você joga numa escala um pouquinho maior 100, 200, 300 anos, a gente pensa: “Opa, esse negócio vai dar merda aí na frente”. Então, eu acho que é isso mesmo, né? O oceano é a nossa mãe, e a gente tem que olhar pra ela com reverência, com respeito, com agradecimento por ter nos dado a nossa vida.

00:07:10 - Baía de Guanabara, transformação de vida e espiritualidade

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Partial Transcript: ALEXANDRA - Por que a Baía de Guanabara?

RICARDO - A Baía de Guanabara, ela tá cravada no coração, sendo, digo, uma das três principais metrópoles, megalópoles costeiras do mundo, né? Eu acho que o Rio de Janeiro deve ser a cidade costeira mais conhecida, assim, no mundo, e a Baía de Guanabara é um ícone, né? A sétima maravilha aí da humanidade, né? Patrimônio da ONU, da Unesco, não sei, agora me confundi, mas um desses dois aí. Mas a Baía de Guanabara, ela representa o oceano, ela representa tudo de errado que o homem vem fazendo com o oceano, ela é um reflexo do oceano como um todo. Como é uma Baía, a gente consegue ver melhor o impacto negativo que o homem tem com o oceano, a gente consegue ver o plástico que fica represado lá em uma das pequenas baías. A Baía de Guanabara são muitas baías dentro de uma grande baía, então, tem pequenas baías, como uma baiazinha que tem atrás da Ilha do Fundão, atrás do prédio da educação física, todo o plástico vai parar nessa praia, é uma praia de plástico. Antes das Olimpíadas, a imprensa do mundo inteiro foi nessa praiazinha pra fotografar a podridão da Baía de Guanabara. Então, a gente consegue ver o nosso impacto no oceano; porque em uma praia de mar aberto, uma praia oceânica, cê pode jogar seu lixo plástico ali que ele vai, de repente, sair do Brasil e parar na África, aí você não vê, ele não acumula na sua frente pra você ter a sensação do seu tempo de vida do impacto que você tá causando; mas a Baía de Guanabara não, você tem praias literalmente mortas em que você não vê mais areia, tem uma camada de um, dois metros de plástico até você chegar na areia, é uma coisa absurda. E eu acho que a gente tem que começar a olhar o que a gente não quer ver. A gente não pode ficar empurrando o lixo da nossa casa pra baixo do nosso tapete eternamente. Olhar pra Baía de Guanabara, os problemas da Baía de Guanabara a gente já tá sabendo há muito tempo, né? Agora, tem um outro lado, né? O lado da vida. Eu acho que, quando a gente olha o lado belo da Baía de Guanabara, mostrar que, apesar de toda poluição, apesar de todo nosso impacto impróprio na Baía de Guanabara, apesar de tudo, ela ainda tá viva, esse é um caminho que pode inspirar as pessoas, né? Porque a Baía de Guanabara, assim como nós, também a humanidade hoje vive um período, uma era de (?), um período muito sombrio espiritualmente falando, ainda mais aqui no Brasil, com todas as questões que a gente tem vivido nos últimos dois, três anos, as questões políticas, sociais, polarização da sociedade; nos deixa num estado muito depressivo, a gente fica meio sem esperança, o mundo tá vivendo um período meio de perda de esperança; e olhar pra Baía de Guanabara, um lugar que foi considerado morto, e encontrar a parte boa, a vida, é um mergulho dentro da nossa própria consciência, de olhar pras nossas partes mais negras, olhar pro nosso pessimismo, olhar pro nosso medo, e jogar luz nessa escuridão, transformar o medo em ação, transformar a angústia em felicidade. A gente tem esse poder, a gente sempre tem a opção de escolha. Esse exercício de fazer dezenas e dezenas de mergulhos na Baía de Guanabara à noite e sozinho, cada vez que eu vinha pra Baía de Guanabara, era uma briga interna minha comigo mesmo, de vencer meus medos, vencer meu cansaço. O medo de literalmente vir a falecer num desses mergulhos, né? Que a corrente me levou pra longe, entrei dentro da ponte Rio-Niterói… mas aí eu vi que não, porque esse mergulho era um mergulho pra encontrar o caminho, o caminho da sustentabilidade, apontar um caminho da vida onde já tava tudo morto, esse era o mergulho pra começar uma nova vida, né? Eu literalmente tinha uma empresa que fazia eventos sociais, casamentos, eu vendi as câmeras em que eu filmava casamento e usei o dinheiro pra começar esse filme da Baía de Guanabara. Esse medo da mudança paralisa a gente, mas quando a gente tá com um propósito de vida, né? Por que é essa coisa: por que a Baía de Guanabara, né? A Baía de Guanabara se encaixou muito bem na minha vida, numa mudança, numa coisa de querer fazer alguma coisa pelo meio ambiente, pela sustentabilidade da espécie humana no planeta; e, a partir desse momento, onde a gente vence os nossos medos internos e começa a ter um propósito de vida em harmonia com a natureza, em harmonia com a nossa permanência no planeta enquanto espécie, né? A gente começa… Bom, pra sair de um emprego estável pra uma coisa totalmente instável, né? Aí que tá a beleza de todo o projeto, que na insegurança e na instabilidade do campo, onde todas as possibilidades estão presentes na mesa, né? Eu comecei a fazer parte da natureza, eu, Ricardo, comecei a ser um homo sapiens conectado com a força de toda a natureza, mesmo nos dias mais instáveis e inseguros, eu senti os pequenos sinais que a vida tava me passando, os pequenos sinais de que eu estava conectado com a força da natureza, com a força do oceano. Eu deixei de ser apenas uma gota no oceano e passei a sentir dentro de mim a força do oceano inteiro, das portas que foram se abrindo. De dias em que eu literalmente me ajoelhava no fundo da Baía de Guanabara à noite e ficava quieto e falava: “Eu vou esperar, porque vai aparecer alguma coisa pra eu filmar, alguma coisa vai vir até mim”, parece que os peixes ficavam sabendo, aí eles vinham. E, assim, pequenos sinais de pessoas que eu conheci, de portas que foram se abrindo, de um caminho que eu não conseguia imaginar, esse caminho se tornou a realidade. Antes desse filme da Baía de Guanabara, eu já tinha passado por dois casamentos, sempre quis ter um filho e nunca, nada; eu querendo ter o controle da minha vida, de tudo, do meu futuro, o que ia acontecer, como ia ser… E eu vi que a beleza da vida é justamente o oposto. No campo da insegurança, de todas as possibilidades, que a vida se mostra, que o poder que é criativo flui, que a gente começa a se conectar com tudo e fazer parte de tudo. Foi um dia específico desse filme, um mergulho que eu fiz, aqui na ponta do Pão de Açúcar, que eu desci sozinho a uns doze metros de profundidade, nem tava tão fundo; e no meio do caminho, naquela escuridão, eu sozinho com medo de… sei lá, sempre tinha medo de agarrar uma rede de pesca, de ficar preso, ou sei lá o que ia acontecer… eu desliguei todas as luzes, e, naquele momento que eu desliguei as luzes, minha mão desapareceu na minha frente, era uma escuridão completa, e foi um pequeno lapso de tempo que eu apaguei tudo, escuridão. Ali parece que eu resetei meu HD interno, que, naquele ponto, naquele momento, naquele mergulho, eu deixei de ser o Ricardo e eu passei a ser parte da Baía de Guanabara, eu senti ela dentro de mim. De repente pode ter sido uma coincidência da minha filha ser concebida ali por aqueles dias, de ter naquele momento feito a conexão, né? Ás vezes pra gente ser alguma coisa, a gente tem que ser nada, como aquela música do Arnaldo Antunes, né? “Quando não tiver mais nada / nem chão, nem escada / nem escudo, nem espada [...] / só assim você vai sentir o amor”. E vivi meses, agora dois anos, né? Tô vivendo ainda nessa insegurança de ter desfeito da minha produtora que fazia eventos sociais, mas agora, literalmente, se abriu um oceano de possibilidades. E assim é pra vida de todo mundo, né? A gente fica com medo de viver o caminho que a vida escolheu pra gente, porque, por mais que a gente tenha sete bilhões de pessoas no planeta, cada um é único, cada um tem qualidades únicas que tornam aquela pessoa especial e importante pro ecossistema como um todo. Então, a partir do momento em que eu, Ricardo, comecei a viver o meu sonho, comecei a sentir que eu estava fazendo parte do todo e senti que aquele era o meu caminho na terra, no planeta, a partir desse momento eu comecei a viver uma nova vida, uma vida onde minha mente já não me dominava mais, o meu medo já não me dominava mais. Uma vida de fé, uma vida de saber que no oceano nasceu o amor, nasceu a vida. O oceano é Deus, se alguma coisa é Deus nesse planeta, é a natureza, é o oceano. Então, quando a gente dá um passo na direção desse caminho, da nossa conexão com algo maior, espiritualmente maior; quando a gente dá um passo nesse caminho, esse caminho dá dois passos em nossa direção. É um exercício diário a gente conseguir fazer essa ponte pra sustentabilidade, o que é essa ponte para a sustentabilidade, né? É a gente andar num caminho que ainda não existe, que cada um vai ter que construir da sua maneira, fazendo essa estrada. Não adianta a gente ficar falando em sustentabilidade e em economia circular, se a gente continua com velhos hábitos, com um emprego que não leva a lugar nenhum, uma vida sem propósito. Então, essa sustentabilidade, esse caminho de conexão, essa mudança que a gente quer ver na natureza, a gente tem que fazer dentro da gente mesmo; e o primeiro passo que a gente tem que dar é ter a coragem de ser quem a gente é, ter a coragem de saber que o nosso ego às vezes joga contra a gente, ter a coragem de usar a inteligência e traçar uma vida coerente com o que o momento pede que a gente seja. Não dá pra uma pessoa se dizer “ambientalista” e continuar se fartando de carne vermelha todo dia da semana, churrasco e outras coisas mais, né? Eu acho que a gente tem que começar a ser coerente. E essa éa beleza desse momento que a gente vive, né? O homem tem a capacidade de mudança, a gente sempre tem opção, eu acho que a gente tem que começar a olhar com mais seriedade pro nosso compromisso, pro nosso papel nesse planeta. Eu acho que esse momento que a gente vive hoje não dá mais pra gente ficar só na contemplação, esse é o momento da história da humanidade onde a gente tem que agir. Não fazer nada hoje, sabendo o que a gente sabe, vivendo o momento que a gente sabe; não fazer nada é a mesma coisa que estar fazendo uma coisa muito negativa, ou seja, carmicamente falando, não fazer nada hoje é acumular um karma negativo, às vezes maior do que estar fazendo uma coisa muito errada. Então, assim, pras gerações que já vieram antes de mim, que vieram contemplando só pelo belo prazer dos sentidos, e curtindo a vida adoidada, e sem deixar sua marca; esse tempo acabou, quem viveu esse tempo, viveu; o nosso tempo hoje pede uma postura, que a gente se posicione. Se tá… quer nem saber de aquecimento global, comendo carne vermelha todo dia, nunca fez uma caridade pro próximo, uma ação boa pro planeta, essa pessoa jamais pode se dizer “ambientalista”, “defensora do meio ambiente”, “contra o aquecimento global”, né? Esse é um momento que pede ação. E, o filme Baía Urbana, ele traz essa discussão toda do aquecimento global, do momento que a gente vive, pra nossa realidade, porque não adianta a gente ficar falando também dos recifes de coral só da Austrália, a gente tá a dez mil quilômetros de distância da Austrália, nem sei quanto, mas, enfim. Quando a gente traz a discussão das principais questões dos estressantes marinhos pra nossa realidade, a gente começa a fazer parte da resolução do problema, que é um problema global, não é só um problema nosso da Baía de Guanabara. Esse passo em direção à Baía de Guanabara também é um passo pra sair de dentro de mim mesmo, né? De fazer alguma coisa pelo outro, né? De deixar uma marca positiva na minha vida, né? Que é tão, nossa vida é tão efêmera, né? Um milésimo de segundo, microssegundo em relação a tudo que existe. Mas, esse passo, ele pode ser dado em direção ao outro, né? Chegar e conhecer o porteiro do seu prédio um pouco mais a fundo, vai que o cara tem uma história de vida que, poxa, enfrenta mil vezes mais dificuldades que você; que é um gesto de carinho, de amor, até mesmo um gesto de ajuda material para o outro, né? É a gente pensar pra fora da gente mesmo, né? A gente fica pensando o tempo inteiro na gente, nos nossos problemas, nos nossos medos, nossas angústias, nossos aflitos, nossos problemas de relação. Eu acho que esse desligar de luzes e acender de novo é uma desligada de nós mesmos, né? Eu acho que cê desliga e liga num outro modo, num modo onde cê tá pensando no outro, num modo onde cê tá pensando na natureza, no meio ambiente; e, a partir daí, essa foi a maior revelação que eu tive nesse filme, fazendo esse filme, a partir desse modo de vida, onde a gente começa a pensar pra fora da gente mesmo, quando a gente vê, a gente resolveu; todos os nossos problemas que a gente não conseguia resolver, a gente resolveu ajudando o próximo. Pensando fora da gente, a gente vaporiza os nossos problemas. A gente vê que mais de 90% dos nosso problemas são ilusões, são problemas que a gente cria dentro da nossa cabeça; e, quando a gente começa a pensar no outro, a gente começa a dominar o nosso ego, a gente começa a agir no modo da bondade, isso tem um poder imenso de uma satisfação, uma realização pessoal, que sem dúvida esse é o caminho, né? Eu acredito na humanidade, porque a gente tem essa opção de escolha de um dia pro outro abrir e fechar os olhos e começar a enxergar o outro, começar a enxergar que nós não somos o centro do universo, nós não somos nada, e a única coisa que fica da nossa passagem por esse planeta, a única coisa que fica: o que a gente fez pelo outro. A imortalidade do espírito, o que fica da nossa existência, da existência de cada um nesse planeta: o que a gente fez pelo outro. O bonito disso, quando você começa a andar nesse caminho, com um propósito de vida em harmonia com o meio ambiente, com a sociedade… cê começa a encontrar pessoas que também tão fazendo aquilo, que também tão conectadas, e isso dá uma sensação de que a gente tem poder de mudar a realidade, né? Não sou só eu, né? Tem o professor (?), economista da UFRJ, que tá tentando, faz um trabalho aí pioneiro, dando valor pra os serviços ecossistêmicos que as florestas prestam pra sociedade, né? E ele viu na Baía de Guanabara um potencial econômico que a gente tem, como a gente pode acordar o nosso sistema econômico pra dizer pra ele que a gente tá totalmente equivocado, que os grandes tesouros da Baía de Guanabara estão sendo perdidos, né? Eu não digo mudar a vida pelos encontros que eu tive, mas pra ter mais certeza de que eu estou andando no caminho certo, né? Porque a gente atrai pra gente aquilo que a gente tá vibrando no momento, né? Se eu ou você estamos vibrando a Baía de Guanabara a gente vai ser atraído pra aquelas pessoas que tão também vibrando nesse nível, né? E esse é um exercício muito bom, né? Uma coisa é, assim, cê tá vibrando estresse, acordou mal-humorado, pegou o carro, tá num engarrafamento, tá xingando; cê vai encontrar alguém que vai tá xingando, que vai tá mal-humorado no seu caminho, né? Eu acho que é uma coisa que a gente, é um dos benefícios da gente tá vibrando pra fora do nosso ego, né? É que a gente encontra, graças a Deus, pessoas que também estão vibrando assim, que fazem a gente acreditar ainda mais no homem.

00:26:02 - Pescadores da Baía de Guanabara

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Partial Transcript: ALEXANDRA - Na natureza e no homem, né?

RICARDO - Na natureza e no homem. No ano de 91,92, eu sobrevivi dois anos pescando aqui na Baía de Guanabara. Minha mãe faleceu, a minha família se mudou pra Minas Gerais, e eu sobrevivi da pesca dois anos mergulhando e pescando peixes na Baía de Guanabara. E um personagem do filme, o Jaime, eu conheci nessa época, né? Ele continua, ele mergulha há mais de 40 anos da Baía de Guanabara. É bonito ver, né? Apesar de tudo, tem gente que sobrevive da Baía de Guanabara de forma artesanal, pescando um peixinho pra vender pra pagar o sustento da família; ela já me proporcionou isso, né? Ainda tem aí, sei lá, 10, 12 mil pescadores na Baía de Guanabara, uma ínfima parte do que já foi há muitos anos atrás, né? Mas ela pode voltar a ser importante pra mais pessoas, né? Pode ser de novo importante pra mais pescadores, pra mais pessoas que vão ter ali o seu lazer, a melhora da qualidade de vida. Conheci um pescador, agora esqueci o nome dele, que pesca de curral lá nos fundos da Baía de Guanabara, uma pesca que ele faz uma armadilha, um labirinto de bambu que o peixe entra e não consegue sair. Isso veio dos índios, eu conheci um cara que a avó dele era índia, já fazia essa pesca, que a avó, bisavó dele foi pega no laço, ele fala isso no filme, né? E como é que uma coisa tão antiga se mantém até os dias de hoje sustentando milhares de famílias lá nos fundos da Baía de Guanabara.

00:27:38 - Preservação da biodiversidade marinha

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Partial Transcript: RICARDO - A Nina foi concebida no início das filmagens, né? Quando eu tava nesse período de transição do meu trabalho antigo pra viver do mar, viver do sonho de transformar a realidade da Baía de Guanabara através das imagens, através do conhecimento das pessoas pra esse lugar que era desconhecido até então. A Janice, minha esposa, ficou grávida, eu saía pra fazer as filmagens… Cara, saía de noite, falava com ela que, se eu não chegasse até de manhã, ela tinha que acionar o corpo de bombeiros, ela ficava preocupada, eu ficava preocupado. Até que a Nina nasceu, aí eu vi que... aí eu entendi o que eu estava fazendo, aí caiu a ficha, né? Caiu a ficha de quem eu sou. Aí caiu a ficha do que eu estava fazendo. Aí caiu a ficha de que aquela era a minha vida. Porque a gente falar hoje sobre a biodiversidade marinha, é falar sobre o futuro das crianças que tão nascendo agora no planeta. A gente vive um momento onde, já em 2030, a gente pode perder já 90% de todos os recifes de coral. Em 2050 já não termos mais os recifes de coral, que são responsáveis por 25, 30% de toda a biodiversidade marinha. Mais de um bilhão de pessoas do planeta dependem do mar como segurança alimentar, mais de 600 milhões dependem diretamente dos recifes de coral. Assumir que a gente vai estar perdendo isso em 12, 20 anos, é literalmente assumir que a gente vai tá deixando pros nossos filhos uma herança macabra. Essa geração não vai querer saber de carro, apartamento, roupa nova… essa geração que tá nascendo agora vai querer saber de continuar existindo, de poder deixar também seu filho, de poder curtir a vida, viver, sentir, se fazer parte desse planeta, né? Não fazer nada hoje, não tá ligado com, não tá agindo contra isso hoje é ser reconhecido por essa geração, daqui a pouco tempo, né? A gente tá falando aí de 12, 20 anos. É você olhar pro seu filho e ele te olhar e falar: “Pai, por que você não fez nada quando você podia? Tinha todas as condições de fazer alguma coisa”, eu ter a certeza de que eu vou poder olhar nos olhos da minha filha e ela saber que eu dediquei a minha vida pro futuro dela, isso não tem preço. Esse é o sentido da vida.

00:30:34 - A importância de ir além da meta financeira

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Partial Transcript: RICARDO - Acho que esse é um momento que a gente vive, onde nunca vi tantas pessoas tentando se encontrar espiritualmente, encontrar um propósito de vida, entender de onde a gente veio, pra onde a gente vai, o que a gente vai deixar aqui, né? Muita gente deve ter essa sensação que eu tive quando eu tava fazendo casamento, “Eu não pertenço a esse mundo aqui”, né? Até porque casamentos da alta sociedade, pessoas que aplicam na bolsa de valores, que especulam dinheiro em cima de dinheiro. Minha equipe às vezes era composta eu e mais cinco pessoas, eu e mais quatro, às vezes a maioria da minha equipe era de pessoas negras, amigos que eu fiz, pescadores que eu conheci no primeiro filme. O Rogério, filho e neto de pescadores do Posto 6, ele aprendeu a filmar comigo, ficou dez anos fazendo casamento comigo. Chegava no casamento: “Tá vendo, Rogério? Tem nenhum convidado preto aqui, caraca!”, a sociedade realmente é fake, né, cara? Eu não me sentia parte daquilo ali, sabe? Até deixava claro, nos meus contratos com as noivas, eu colocava lá no contrato que a minha equipe tinha direito de comer, se alimentar, de tudo que os convidados tivessem se alimentando. Quando Rogério começou a fazer casamento comigo, a gente sentava do lado da noiva, e vinha aqueles bifes de filé mignon -- que o rogério comia, eu não como carne há mais de 35 anos -- ele comia um, “Pô, Rick, posso pegar mais um?”, eu: “Claro, cara! Pega outro, come”. Assim, aquele não era o meu mundo, eu fiz 400 casamentos, é óbvio que com alguns casais a gente tem muita afinidade, né? Mas nesse universo de 400 casamentos no Copacabana Palace, os casamentos, as festas… nesse universo de 400, a maioria deles era de pessoas que tinham nada a ver comigo, e gastos… eu imaginava “Caraca! As pessoas gastam um milhão, um milhão e meio de reais num casamento”, eu falei: “Cara, quanta gente podia tá ajudando com esse dinheiro, né?”. A gente atrai pra gente o que a gente vibra, o que a gente pensa. Eu comecei a fazer casamento em um momento que eu queria uma estabilidade financeira, e o casamento me proporcionou isso, né? Eu vivi dois casamentos, duas separações, comprei dois apartamentos; o primeiro eu vendi, separei com a primeira mulher e comprei o outro… Isso é difícil aqui no Rio de Janeiro, né? Você conseguir arrumar dinheiro pra comprar um apartamento, né? E eu tive essas metas muito claras, né? “O que eu quero?”, “O que a gente quer da vida?”, a gente tem que ter isso bem claro na cabeça, né? O casamento foi um exercício disso, um exercício de ter uma meta financeira, e eu atingi a minha meta financeira mais de uma vez; mas caiu a ficha de que a vida não é isso, a vida não é só uma meta financeira, existe muito mais do que isso, né? Quando eu abri mão da minha meta financeira, abri mão de ganhar um salário de um desembargador, pra ganhar zero, parecia loucura, né? Mas o que a natureza tá me trazendo é mais, muito mais, do que o casamento já me trouxe até hoje, né? Às vezes o grande tesouro tá no fundo do poço, a gente só consegue chegar no pote de ouro, quando a gente literalmente mergulha no fundo do poço e, lá no fundo do poço, a gente vê realmente que a gente não é nada. E, olha, vou te falar: dos medos que eu tive aqui na Baía de Guanabara, nada foi maior do que o medo, assim, quando a gente vai durante a vida pro fundo do poço depois de uma separação, que a gente tem vontade de morrer, de desaparecer, né? Mas é lá, lá junto desses sentimentos de desespero completo, de vontade de se matar, de acabar com a própria vida; lá no meio desse limbo, no fundo do poço, quando a gente tem a coragem de olhar de frente pra isso, começar a assumir a responsabilidade pelo o que a gente tem e o que a gente é na nossa vida; quando a gente deixa a nossa máscara social cair, que a gente fica como aquele siri que tá com a casca mole que tem que se esconder numa toca, né? Quando a gente deixa a máscara cair, reconhece no fundo quem a gente é, a gente começa a ir, nesse momento, sem a máscara, com a responsabilidade, se a gente tá triste, se a gente tá deprimido, a responsabilidade é nossa. Não tem mais que jogar a culpa na vida, jogar a culpa nos outros; tomar as rédeas dessa pessoa que a gente é e começar a construir uma estrada sem essa máscara… com o coração mais aberto, com fé. E esse caminho que a gente desce caindo pro fundo do poço, mas que a gente constrói uma estrada linda pra subir e muito mais alto da onde a gente tava antes; num lugar onde a gente nunca sequer teve coragem de imaginar, a gente pode chegar.

00:36:23 - Alimentação vegetariana e prática espiritual

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Partial Transcript: RICARDO - Poxa, a ciência já sabe tudo que a gente tem que fazer pra salvar o planeta há mais de 30 anos ou mais até, e nada acontece, né? Esse é um buraco que tem, né? Entre a ciência e a espiritualidade, né? Como unir as duas coisas, né? Não dá mais. Assim, poxa, só a ciência não vai conseguir a mudança que a gente tá querendo, né? E eu venho filmando o fundo do mar do Rio de Janeiro há vinte anos, depois de uns 13 anos filmando o meu primeiro filme em Copacabana e Ipanema, eu fui fazer um curso de culinária vegetariana com os Hare Krishnas na serra, e ali eu fui introduzido a um livro que se chama bhagavad gitá, mais antigo do que a bíblia, o ensino dos vedas; e ali eu tive uma introdução a essa literatura e entendi que um dos três pilares deles lá que é “Não compactuar com o sofrimento animal”. Era mês de agosto de 2012, 2013, eu voltei desse curso de culinária vegetariana e parei de comer toda carne, parei de comer peixe… e foi engraçado que duas semanas depois de ter parado de comer peixe, eu consegui patrocínio pra finalizar o filme. Pode não ser nada, né? Mas eu gosto de fazer pequenas associações, né? Porque os grandes sinais que a vida manda pra gente, são sinais quase que imperceptíveis, né? Mas aquele foi um claro sinal, né? Ou você é, ou você não é; não dá pra ser duas coisas ao mesmo tempo. Ou você compactua com o sofrimento animal, ou você não compactua. E teve uma mudança a partir desse momento. Hoje eu vejo, assim, como isso fez a diferença, né? Eu acho que esse caminho que eu tava traçando, caminho da preservação da biodiversidade marinha, ele não tava tão harmônico como ele tá hoje, né? Não adianta a gente acabar essa entrevista agora aqui, e eu sair pra ir comer um sushi de atum, ameaçado de extinção; não adianta eu sair daqui dessa entrevista e comer uma moqueca de raia lá na Ilha de Paquetá, isso é ilusão, né? Isso não é um caminho, isso é uma mentira. Mas a partir daí, desse curso de culinária vegetariana, eu comecei a ler mais o bhagavad gitá e comecei a tocar, eu toco violão, e comprei uma sanfona indiana chamada harmonium, e comecei a cantar muitos mantras. Acho que, mais até do que o mergulho, o que me ajudou a ter equilíbrio mental pra tá focado no mesmo objetivo tanto tempo e com tantas dificuldades financeiras, físicas e todas mais, né? Eu posso dizer que essa prática espiritual de cantar os mantras, né. Eu canto mantras indianos, mas às vezes eu misturo com o Pai Nosso, não tem uma coisa assim. Eu acho que Deus é onipresente, tá em tudo e… eu acho que Deus é a natureza, né? Mas tem gente que estuda isso antes da bíblia vim, né? Então, a gente pode dar uma atenção a esse livro, bhagavad gitá, ele traz um entendimento do inconsciente muito profundo. E uns três meses depois de ter feito esse curso, eu passei por um momento difícil na minha vida, eu tive um tumor dentro da mandíbula, por causa de um cisto, de um dente siso mal extraído, né? E eu fiquei muito preocupado, assim, de encerrar a minha vida ali, que merda era aquela que tava acontecendo, né? E foi muito legal, já tava nesse outro caminho, e tenho entendido que a gente, enquanto espírito, a gente é imortal, né? Nada pode atingir a gente, nem o fogo, nem a pedra… não sou o tumor que eu tive na mandíbula, né? Eu sou esse cara que desligou a luz no meio da Baía de Guanabara, desapareceu e continuou vivo. Eu sou aquela centelha de luz que vai ficar brilhando eternamente, e vai brilhar mais ainda quando eu tiver vivendo pra minha filha, tiver vivendo pro outro; a centelha, ao invés de apagar, acende, né? Eu vi claramente aí que existe a imortalidade, ela existe, e aquelas pessoas que estão vivendo hoje em vida o sonho de ajudar o próximo, essas pessoas são imortais, a qualidade da nossa vida tá ligada com a qualidade da nossa respiração. Dentro d’água, quando a gente coloca o tanque de mergulho nas costas, eu presto muita atenção na minha respiração; acho que vicia, parece uma aula de yoga intensa, que cada respiração eu penso nela, eu sinto o ar entrando, o ar saindo, eu controlo a minha ansiedade… até porque também, se eu controlo a minha respiração, eu fico mais tempo embaixo d’água. Fui mergulhar esse final de semana com um grupo nas Ilhas Cagarras, o pessoal voltava já quase sem ar, eu voltava com o meu tanque pela metade. Eu aprendi a controlar muito a minha respiração embaixo d’água, eu quero entender melhor isso pra trazer isso pra fora da água também, né? Esse equilíbrio entre a respiração, o pensamento, a queima de energia, o consumo energético, né? Aqui na Baía de Guanabara, quanto mais eu ficasse embaixo d’água, mais coisa eu conseguia filmar, então, eu treinava muito pra conseguir ficar quase num estado assim… como uma tartaruga que fica lá embaixo e vai… Até a cena mais legal do filme é uma cena que eu tô nadando em cima da tartaruga e parece uma daquelas câmeras da National Geographic presa no casco, mas não tava presa, tava na minha mão. Dezenas e dezenas de vezes eu me perdi aqui, porque eu ia, tipo, em cima da tartaruga, pra onde ela fosse eu ia, de noite, aí depois de dez minutos acompanhando a tartaruga, cara, eu tava num lugar que eu não sabia onde era. E eu fico tentando trazer pra minha vida, né? O deixar levar, aquele sambinha do Zeca Pagodinho, né? “Deixa a vida me levar, vida leva eu…”, quando a gente tem a coragem de entrar nessa vida e deixar essa vida levar a gente, se a gente tiver fazendo tudo certinho, a vida leva a gente pro paraíso; porque a gente vive o que a gente pensa, né? O paraíso ou o inferno não é depois que você morre, é agora. Tem gente que vive o inferno agora, hoje, nesse momento, tá vivendo um inferno em terra. Tem gente que vive o paraíso. Tem os antigos kahunas lá havaianos, eles falavam que o nosso universo material é uma projeção daquilo que a gente pensa, e o exercício de ter feito os casamentos, de ter exercitado no plano material alguma coisa física, comprar um apartamento, projetei isso numa coisa espiritual, num sonho, e hoje eu vejo que a menor conquista foi projetar um sonho pra Baía de Guanabara, que esse sonho já não é mais meu, que esse sonho é um sonho da população do Rio de Janeiro que de alguma maneira viu pela primeira vez toda beleza do mar; e esse sonho, muito além do meu apartamento que vai se desfazer aí em mais ou menos algumas centenas de anos, esse sonho vai ficar brilhando eternamente. Se um dia a gente veio do mar, eu já voltei pra lá, eu já sou essa centelha de luz que brilha no fundo da Baía de Guanabara. Esse lugar que a gente vai se encontrar um dia, Alexandra; eu, você, Octávio a gente vai vibrar um dia lá no fundo do mar, uma centelha de luz, de energia, vai continuar rodando nesse planeta por centenas de milhares de anos, quilômetros por segundo por todo o universo. A gente precisa da coragem de saber que a gente não é nada, pra gente poder ser tudo. A gente precisa ter coragem de sonhar, porque, imagina, se o meu sonho foi tão lindo, quanto mais pessoas tiverem coragem de sonhar. Não sonhe só com um apartamento não, isso é muito pouco, qualquer coisa no plano material é muito pouco. Eu acredito no homem, porque, quando todo começar a sonhar e viver o paraíso em terra, cara, esse mundo vai mudar, vai virar de pernas pro ar. Esse eu acho que é o grande lapso que a ciência não consegue explicar, como a gente consegue materializar tudo que a gente pensa, que a gente sonha, com amor no coração. Quem dera a ciência já tivesse uma equação matemática pra isso, né? Que os céticos começassem a ser mais espiritualistas, que as pessoas começassem a amar mais o próximo. Mas a gente tem tempo, pra isso a gente tem tempo, pra despertar um sonho grande, sonhar alto, sonhar com o impossível; porque só sonhando com o impossível é que a gente vai transformar a nossa realidade e começar a viver em terra o paraíso.

00:47:31 - Sonhos de harmonia do ser humano com a natureza

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Partial Transcript: RICARDO - Eu acho que sonho da Baía de Guanabara tá aí pra todo mundo sonhar, sonhar que a gente vai poder levar nossas crianças, mergulhar na Baía de Guanabara; sonhar que a gente vai poder beber a água de rio de um desse daí que desemboca na Baía de Guanabara; sonhar que a gente vai poder inventar um trabalho que não existe hoje, ser alguma coisa ligada com água da fonte de não sei o que… e acreditar que com o volume de conhecimento que a gente gera a cada dois anos, é mais do que a gente já gerou nos últimos dez; acreditar que a gente pode tá trabalhando com uma coisa que não existe hoje daqui a dois anos, né? E acreditar que, como eu mergulhando perdido na Baía de Guanabara por uma estrada que não estava feita, cheguei a um lugar que eu jamais tinha sonhado antes. A gente acreditar que dentro desse caminho escuro que a gente tem medo de caminhar, aí tá a felicidade, aí tá a realização e aí tá a conexão com o seu verdadeiro eu, a conexão do homem com a natureza, nós como parte da natureza. Tem gente que tem sorte de não precisar mergulhar no poço pra chegar lá, né? Eu espero que a minha filha não precise mergulhar tão fundo na escuridão, que ela já consiga ver o caminho que eu não vi antes. E esse é um lado também desse exercício da Baía de Guanabara, né? Poder enxergar dentro do problema a solução do próprio problema. A realidade é uma interpretação, eu interpretei a Baía de Guanabara pela beleza, e cada um de nós pode fazer uma interpretação de si mesmo pelas suas qualidades, pelos seus dons que são únicos na natureza. Então, esse é o principal paralelo, né? Da gente começar a interpretar as coisas por um lado mais positivo e, a partir daí, traçar um caminho pra nossa vida, né? Um caminho gostoso de ser trilhado e um caminho mais em harmonia com isso tudo, né? Mas é isso, a gente sempre tem o poder de escolha, e a realidade é, sem dúvida nenhuma, uma interpretação pessoal de cada um.

00:50:00 - O respeito pelos animais

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Partial Transcript: RICARDO - Minha mãe faleceu com 43 anos em janeiro de 91, meu pai é psiquiatra, sempre teve uma visão um pouco mais filosófica, né? Essa interpretação do eu e, enfim, dos conflitos… Mas essa perda da mãe, né? Não existe acho que nada pior, só a mãe perder o filho, né? O filho perder a mãe, pior é a mãe perder o filho. Foi o momento que eu me voltei completamente pra baixo d’água, eu fiquei literalmente dois anos embaixo d’água; parece que a “mãe mar” me acolheu, mas eu senti uma coisa, uma desarmonia muito grande quando eu matava os peixes. Graças a Deus eu nunca fui bom pescador, eu matei o suficiente pra sobreviver, não fiz dinheiro com peixe não. Minha família lá de Minas fez uma vaquinha, cada tio -- minha mãe tinha dezesseis irmãos -- peguei um dinheirinho de cada tio e comprei um barquinho de pesca de alumínio com motor de 15HP e paguei os meus tios com peixe que eu levava pra Minas Gerais. Mas aí comprei um cachorrinho, foi no ano de 92,93... não, mais pra frente, eu comprei um cachorrinho. O cachorrinho chegou na minha casa, no outro dia não consegui mais matar peixe nenhum, que eu vi no olhinho do cachorro, eu me reconheci ali, não como homem que subjuga os animais, eu me reconheci nele como mais um nesse planeta, mais uma espécie que tem direito de tá vivendo, né? Isso foi uma mudança muito importante pra mim, a minha cachorrinha a Laica, não, a Hana, a Laica era filha da Hana, a Hana foi a primeira. A Hana me despertou pra essa coisa da consciência animal. Pô, uma outra maneira de ganhar a vida que não seja matando peixinho, né? Aí comprei a câmera e comecei a filmar meus amigos e meus colegas de trabalho que mergulhavam comigo e eu fiz o meu primeiro filme, onde eu fiquei 15 anos acompanhando a vida de cinco personagens que trabalham com o mar em Copacabana e Ipanema, que é O Mar Urbano, né? Mas é isso. Eu acho que, assim, as pessoas acham: “Não, mas e a vaca”, né? Pra Deus; a vaquinha, o cachorro e nós somos iguais, ele ama todos os animais, né? A natureza ama igual todos os animais. Quando a gente faz essa conexão do amor que a gente tem pelo nosso cachorrinho, a gente tem que ter o mesmo amor pela vaquinha também, por uma pessoa. Eu acho que nossos filhos, daqui a uns trinta anos, eu acredito e espero, né? Vão olhar pra esse passado recente e pensar: “Caraca, como é que vocês tinham essa vida tão… parece viking, que coisa mais primitiva”. Precisa matar os animais pra sobreviver? Poxa, tem tanta coisa pra gente se alimentar.

00:53:06 - Palestras, filme Mar Urbano e a contaminação da água por metais pesados

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Partial Transcript: RICARDO - Tô sozinho, até porque é uma coisa muito pessoal, né? Eu acho que mais do que o filme, né? Essa história que eu trago por trás do filme… tinha que ter acreditado mais nessa história e feito um filme até um pouco mais diferente, me inserindo dentro desse filme. Até tem um cineasta francês, o Alexander Boechat, que fala isso, que o filme é… como foi feito o filme, né? Ele quer fazer um filme comigo lá também na frança com essa maneira de fazer esse filme aqui. Tô trabalhando num filme sobre os corais da Baía de Guanabara e uma série que podem ser 13 cidades ou 13 países, tem um pessoal captando… a série já tá escrita, né? Então, fui no Santo Inácio, falei pra 500 crianças, fui em universidades, vou abrir o curso de oceanografia da USP, receber os calouros dia 1º de março. Uma honra, né? Eu não tenho doutorado nem mestrado, eu tenho minha história de vida, né? Mas eu acho que é legal, as pessoas estão meio desacreditadas, desmotivadas, né? E saber que um cara magrinho com uma ideia, sozinho mergulhando, fez um negócio, eu acho que anima muito eles, eu vejo o retorno das pessoas. Uma menina que assistiu uma palestra disse que foi muito importante pra vida dela, ela que arrumou pra eu ir lá na USP, né? Mas eu tenho que organizar melhor isso pra não ficar falando cada palestra uma coisa, sempre importante eu dar uma olhadinha e anotar os tópicos, né?

OCTÁVIO - A nossa pequena contribuição.

RICARDO - Tá tranquilo. Achei com os dois institutos, daqui a pouco espero estar andando com as minhas próprias pernas. Mas, enfim, tô aberto se quiser fazer uma exibição do filme em algum lugar, com uma conversa depois, da gente tá passando essa história já de uma vez, sabe? Com o filme e a história. A exibição do filme com a conversa depois. Instituto Mar Urbano.

OCTÁVIO - Mar Urbano… tá. Perfeito.

RICARDO - É isso.

ALEXANDRA – E o urbano?

RICARDO - O urbano é porque o que a gente tem hoje é um oceano urbano, né? Entender esse mar urbano, é entender o impacto antrópico do homem no oceano, né? E é acordar pra ele, né? Então, esse urbano é pra chamar atenção. A gente já impactou, já é um oceano urbano, né? Chamar de Oceano Atlântico, Oceano… a gente tem um oceano urbano que junta tudo, né? Os botos da Baía de Guanabara, não os golfinhos, os botos, que é (?), sei lá, depois você vê, o boto da Baía de Guanabara. Eles são os organismos mais contaminados do planeta, não é homem, elefante… são eles, porque são organismos topo de cadeia alimentar. A contaminação por metais, né? O metal pesado tá na água, ele é captado pelas plantas aquáticas, pelas algas; aí dez quilos de alga formam um quilo de peso corporal do peixe herbívoro, e a contaminação presente em dez quilos de alga vai ficar concentrada em um quilo de peixe herbívoro, porque esses compostos inorgânicos não são processados pelo corpo, eles continuam no corpo do peixe. Então, tá, a gente tem dez quilos de alga com cem gramas de metal pesado; aí a gente tem um quilo de peixe que comeu alga, um quilo de peixe vai ter cem gramas de metal pesado. Aí a gente tem o peixe carnívoro que comeu o peixe herbívoro; o peixe carnívoro precisou de dez quilos de peixe herbívoro pra fazer um quilo de massa corporal. Aquele peixe herbívoro que comeu dez quilos de alga que tinham cem gramas de contaminante e trouxe pra carne dele cem gramas de contaminante pra cada quilo; o peixe carnívoro, quando comer esse peixe herbívoro, vai multiplicar por dez de novo. Então, cem gramas de contaminante que estavam em dez quilos de alga virou cem gramas em um quilo de peixe herbívoro e, multiplicado por dez, virou… mas aí não, porque a contaminação é 0,0001 por quilograma, então, tinha que ser um grama. Um grama de metal pesado em dez quilos de alga, virou um grama em um quilo de peixe herbívoro, que virou 10 gramas em um quilo de peixe carnívoro, que virou 100 gramas em um quilo de boto. E, se esse peixe carnívoro foi comido por outro, virou… sabe? Multiplica por dez cada nível da escala na cadeia alimentar. Como o boto tá lá em cima da cadeia alimentar, ele come: peixe herbívoro, peixe carnívoro que comeu carnívoro que multiplicou por dez, por dez, por dez… e as raias e os tubarões também são predadores de topo de cadeia. E tem uma coisa do fígados das raias também, que acumula mais esses metais pesados, então, as raias e os tubarões são altamente contaminados com mercúrio, e em vários países aí, mães que entendem um pouco mais de nutrição não dão carne de… países mais avançados não pescam mais tubarão e raia por causa que são ameaçados de extinção, então, tem nem esse problema, né? Mas os botos estão contaminados por causa disso. Vou nem mergulhar, tá marrom a água… não hoje não tem condição.

ALEXANDRA - Por que?

RICARDO - Tá muito suja.

OCTÁVIO - E não vai mudar até hoje à noite?

RICARDO - Não.