DIGA NÃO AO PARQUE DE DIVERSÕES NA URCA E NO PÃO DE AÇÚCAR

Pegamos o bondinho andando. Dia 13 de janeiro de 2023, o Pão de Açúcar chorou. Uma enxurrada esbranquiçada desceu do cume do morro, como um recado. Recado de alerta que escancarou o impacto do empreendimento na Urca e Pão de Açúcar, onde obras estão em curso debaixo de tapumes e diante de pouca transparência. Praticamente nada se discutiu com a comunidade carioca e muito pouco se sabe sobre relatórios de impactos ambientais.

Pão de Açúcar: um dos inselbergs mais famosos do mundo. Inselbergs são afloramentos rochosos de composição majoritariamente granítico-gnáissica, que se destacam na paisagem como ilhas terrestres. O termo vem do alemão, insel = ilha e berg = montanha. O Pão de Açúcar é um dos inselbergs mais famosos do mundo. Do seu ponto mais elevado vislumbra- se uma panorâmica de 360 graus reveladora da beleza do Rio de Janeiro. Banhado pelo mar, rodeado de vegetação costeira, fragmentos de Mata Atlântica e abençoado pelo Cristo no alto do Corcovado, o local tornou-se um ícone e referência geográfica como cartão postal brasileiro, mas também como objeto de estudo, sendo citado e ilustrado inúmeras vezes em livros e artigos científicos em botânica e geologia.

A região Sudeste do Brasil, segundo pesquisadores, é reconhecida como a “Terra dos Pães de Açúcar” pela abundância em inselbergs, uma homenagem ao homônimo carioca. Apesar da grande concentração dessas ilhas de pedra na região, elas ainda são pouco estudadas, apresentando lacunas de conhecimento que justificam a relevância de sua conservação. Além disso, a literatura científica considera essa porção do território brasileiro como uma das áreas mais ricas em plantas sobre rochas graníticas, dividindo o pódio com o Sudoeste da Austrália e Madagascar.

A biodiversidade. O Pão de Açúcar e demais formações rochosas são ecossistemas únicos. Os diferentes formatos dessas feições abrigam uma diversidade de microambientes, com várias espécies raras de fauna e de flora. A composição florística de cada pontão rochoso reforça seu caráter singular e heterogêneo. A persistência nesses ambientes selecionou, ao longo da evolução, plantas com características específicas que permitem sua sobrevivência em locais de condições ambientais extremas, como elevada radiação solar e temperatura, solo raso com baixa concentração de nutrientes, escassez hídrica e ventos intensos.

Frente aos desafios impostos pelas mudanças climáticas e de uso do solo, a conservação destes ambientes é indispensável para a sobrevivência humana. Os recursos, como pólen e néctar, fornecidos pelas plantas garantem a sobrevivência de polinizadores fundamentais para a produtividade agrícola e segurança alimentar. O patrimônio genético destas plantas, por outro lado, representa fonte de pesquisas para o futuro melhoramento de cultivares e entendimentos de fisiologia e anatomia vegetais. O investimento em ciência e tecnologia pode, por exemplo, levar à compreensão dos mecanismos genéticos de tolerância à dessecação das plantas sobre as pedras e sua possível aplicação no aumento da resistência das produções agrícolas a climas mais áridos.

A coloração escura do Pão de Açúcar e dos outros afloramentos no Rio resulta de uma trama simbiótica de cianobactérias, líquens e fungos. As cachoeiras temporárias que lambem os paredões durante o período de chuvas, conectam as manchas de vegetação sobre a rocha exposta e funcionam como verdadeiros guarda-chuvas na dispersão de organismos e de nutrientes entre as plantas. A vida pulsa, resiste e se reproduz longe dos olhos humanos.

Tirolesa, a ponta do inselberg. Apesar dos cumes do Pão de Açúcar e da Urca apresentarem construções e impactos antrópicos há pelo menos um século, ambos os morros ainda resguardam cobertura vegetal natural, mas extremamente ameaçada. Entre as icônicas espécies de plantas destacam-se bromélias, orquídeas, violetas e cactos que habitam porções da rocha exposta e que estão contempladas na Lista Nacional de Espécies Ameaçadas de Extinção (PORTARIA MMA No 148/2022). Essas espécies se encontram entre a cruz e a espada, em meio aos cabos do bondinho, aumento de visitação turística, proximidade com as instalações permanentes e barragens de contenção de detritos, e estão sob maior ameaça com a expansão da área construída prevista pelo projeto da Companhia Caminho Aéreo Pão de Açúcar que, possivelmente, suprimirá parte dessa vegetação. Tivemos acesso ao Relatório Técnico de levantamento arbóreo no Morro da Urca. O documento se mostra extremamente incompleto, sem caracterização da área do estudo, sem menção a plantas rupícolas e epífitas, e faz uso de nomes científicos não aceitos atualmente. A exemplo da insuficiência do relatório, Pau Brasil – considerada ameaçada pelo CNCFlora e MMA – é a primeira espécie da lista apresentada, mas nos resultados consta: “Nesse levantamento não foi registrada nenhuma espécie ameaçada de extinção”.

As plantas rupícolas, que crescem diretamente sobre a rocha, são as mais características desses ambientes rochosos, e até o momento não tivemos acesso aos documentos da Companhia do Bondinho que façam menção à essa vegetação. Quantas foram e quantas serão as plantas herbáceas, arbustivas e subarbustivas suprimidas? Não menos importante, existem impactos praticamente invisíveis a olho nu e em curto espaço de tempo, que consistem na alteração de todo o equilíbrio ecológico evolutivamente estruturado há milhões e milhões de anos e que envolve uma intrínseca e dinâmica relação entre seres vivos, a rocha e o ambiente.

As plantas sobre a rocha, há anos adaptadas, carregam bagagem genética milenar, uma memória e registro histórico da ocupação do afloramento. A relativa boa conservação dessas formações rochosas até os dias de hoje se deve aos obstáculos de acesso. Entretanto, o avanço tecnológico da atualidade permite construções nas grimpas, colocando em risco a vida de tantas criaturas. A nova construção pretendida pela Companhia, de tamanha magnitude, impactará o topo do Pão de Açúcar e da Urca, poderá afetar o ciclo hidrológico, provocar sombreamento de espécies de plantas, mudança na direção dos ventos e no caminho da neblina e umidade, além da supressão direta de vegetação. Estas condições ecológicas sutis e imbricadas entrelaçam as teias da vida e possibilitam a existência das espécies, inclusive a humana. Segundo relatos históricos, a justificativa para se construir e instalar o bondinho era para contemplar a paisagem carioca. O “Parque do Bondinho” vai romper com a gênese de seu propósito? Quem vai querer visitar o Pão de Açúcar descaracterizado e sem possibilidade de contemplação diante do alvoroço de um parque de diversões e de um ambiente inóspito, tão diferente da pedra, cheia de vida?

A educação pela Pedra – exemplo de resistência. O modelo de urbanização trouxe à cidade desmatamento, crescimento desordenado, pobreza, desigualdade, verticalização e aridez. Na contramão das grandes cidades do mundo, que procuram trazer a Natureza para dentro do espectro de concreto, o Rio segue beneficiando a especulação imobiliária, a despeito de suas dezenas de favelas carentes em infraestrutura e de uma população sem acesso à totalidade das políticas públicas saneadoras da qualidade de vida.

Os inselbergs do Rio seguem na (r)existência frente às pressões antrópicas. O Rio de Janeiro só continua lindo por causa dos pães de açúcar! Testemunhos de uma história geológica de milhões de anos e de uma consolidação cultural da atmosfera carioca/tropical tão biodiversa. A passagem do cientista inglês Charles Darwin pelo Rio, em 1832, registra o deslumbramento por essas formações rochosas. Os escritores Oswald de Andrade, Carlos Drummond de Andrade, Machado de Assis entre tantos outros, mencionaram poeticamente os afloramentos do Rio. Machado escreveu e homenageou com um poema específico: O Pão D ́Açúcar.

Os pães de açúcar ao entrelaçar mar, vegetação e rocha representam mais do que uma paisagem, são um conjunto dinâmico e vivo que provoca sentimento tropical revelador de grande exuberância e biodiversidade. A Natureza nesse triálogo é protagonista, a grande personagem da Cidade Maravilhosa.

Ameaças muito além da gritaria. Castelo dos horrores, casa mal-assombrada, projeto supostamente moderno e futurista… Não estamos aqui para discutir gosto. Estamos aqui para discutir uma Unidade de Conservação e patrimônio da humanidade! Esse projeto não se comporta sobre o cume de uma área protegida e em um ecossistema natural. A agressão à paisagem é visível. Propor uma compensação dos impactos ambientais sobre a vegetação de rocha exposta, tão pouco é fundamentada. Nada será como antes. E o mais grave, até o momento não existem evidências científicas comprovando a recuperação efetiva de ambientes graníticos degradados.

Vamos permitir o Pão de Açúcar virar uma amarga experiência? Transformá-lo em um contraexemplo sem volta aos olhos do mundo?

Vamos exigir transparência, fiscalização e seriedade com nosso patrimônio imaterial, geológico e natural!

De braços e abraços dados,
Amantes e estudiosos da Natureza no Rio de Janeiro.

Todo apoio ao Movimento Pão de Açúcar sem tirolesa! #paodeacucarsemtirolesa #sugarloafziplinenoway

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