Celinéia Paradela Ferreira (Celi)

A mineira Celinéia Paradela Ferreira, quando criança, não sonhava em ser professora. Tudo o que queria, mesmo, era conhecer o mar. (Com transcrição)

Citação: Ferreira, Celinéia Paradela (Celi). Entrevista de história oral conduzida por Forman, Alexandra Joy. 2020.02.19, Água!nabara, Território: Urca; Instituto Urca. Escola NAU, Urca, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.

Áudio

Duração: 00:04:24

Transcrição

00:00:00
Celi – Eu nasci na cidade de Resplendor, no Vale do Rio Doce, mas de Resplendor eu saí com 4 anos de idade, morei em outras cidades vizinhas mineiras. Meu maior sonho era conhecer o Rio de Janeiro! O mar, poxa! E eu costumo dizer pros jovens, quando eu quero mostrar como a vida é imprevisível, eu conto uma historinha pra eles. Em 1959 eu terminei o ginásio, na cidade de Governador Valadares. Eu era presidente do Grêmio, um professor conseguiu pra nós uma hospedagem aqui no Rio, no INES, no instituto de surdos. O INES ia abrigar a meninada, então viria ele e uma professora com a turma toda conhecer o Rio de Janeiro como presente de formatura. Eu como presidente do Grêmio, fiz um livro de ouro que a gente saiu pelo comércio pedindo dinheiro. Fiz um concurso de canto e poesia. A pessoa pagava pra isso, imagina?! As pessoas

00:01:00
pagavam pra ir ver colegiais declamar e cantar, pagavam ingresso. Então, fizemos um concurso pro ingresso, arrecadamos o dinheiro que era suficiente pra todas as passagens dos 30 alunos, teríamos dinheiro pra passagem de ida e volta e teríamos hospedagem, só teríamos que ter algum pra comer, não é?! E o sonho da nossa vida, imagina! Aí, adivinha o que aconteceu? Minha mãe não me deixou vir, minha mãe disse: Rio de Janeiro é terra de perdição, filha minha não pisa naquela terra! Eu chorei. Isso foi dezembro… de 59, passei 3 dias chorando! Falei pra minha mãe: nunca mais… (olha a minha frase) nunca mais vou ter a oportunidade de conhecer o Rio de Janeiro, essa era a única oportunidade da minha vida. Bom, aí como eu gostava muito de criança, jamais pensei em ser professora, jamais! Era uma coisa que nem me passava pela cabeça, mas enfiaram na cabeça do meu pai que eu deveria fazer um curso de

00:02:00
pré-escolar, pra professora de pré-escolar que havia no Bennett. Hoje é educação infantil, naquele tempo chamava pré-escola. Que havia só no Bennett, aqui no Rio. Nos outros só havia curso normal, aqui tinha um especializado em educação pré-escolar. Aí enfiaram na cabeça meu pai que eu tinha que vir estudar interna no Bennett. Aí ele me perguntou: você quer ser professora? Ele dizia: prrrrofessora, eu entendia prrrrrraia… prrrrofessora… prrrraia… pô era tudo que eu “ahhh… sempre quis ser professora…” que nada, eu sempre quis praia!

MOEMA — Você nunca tinha visto praia?

Celi – Nunca, nunca tinha visto o mar, só em fotografia e cinema né? A gente imaginava como devia ser. Então, eu: claro! Sempre quis ser professora, imagina?! Aí gente, em fevereiro, eu vim de 60, eu vim fazer a prova de admissão e passei na prova. Então, ganhei bolsa de estudo porque o colégio é metodista, meu pai era pastor, bolsa integral, vim estudar interna. Então, em dezembro eu disse a frase: nunca mais vou ter outra oportunidade. Em fevereiro eu estava no Rio de Janeiro pra nunca mais voltar pra Minas (risos). Você imagina…?!

Alexandra – E que você viu da praia?

Celi – Ah, quando eu vi o mar, nossa mãe! Eu já nasci as margens do Rio Doce que naquela época, nem fale em Rio Doce, eu sou capaz de chorar se eu falar, eu choro, choro mesmo. Era… (emocionada) referência da minha infância. Duas coisas eu tinha gravado na minha memória, no meu sentimento, da minha casa em Valadares: o barulhinho do Rio e o perfume do pé de jasmim que havia na porta…e mataram o meu Rio, mataram. Então, eu já achava o Rio Doce uma coisa imensa, que era naquela época bem largo, né? Quando eu vi o mar, meu Deus! O horizonte, a linha do horizonte lá se encontrando com o mar, né? Uma coisa fantástica! Então, a gente ia à praia ali no, no Leme, porque pegávamos um ônibus no Flamengo sábado, podia sair do internato, pegávamos um ônibus, descia na Princesa Isabel, íamos ali. Foi assim que eu vim parar no Rio. Como eu conheci a Urca? Um dia o colégio tinha ônibus escolar, aí a

00:03:00
acompanhante do ônibus não veio, como eu era interna, estava fazendo o curso de professora, a diretora me perguntou: você poderia fazer o favor de hoje acompanhar o ônibus que não tem acompanhante? Pô, tudo que eu queria, passear, imagina, né? Entrei no ônibus e vim. Quando chegou aqui na Urca que entrou na rua… ali… é… Ramon Franco? No final tem a mureta, que eu vi a mureta: meu Deus que coisa linda! Aqui o mar é pertinho da rua! Por que nos outros lugares tem as pistas de carro e tem areia, né? Aqui não! O muro era perto, o bar era quase na casa de… Que maravilha! Aí entrou na Marechal Cantuária, eu digo assim: ah, que pena, era só um pedacinho, mas na volta veio pelo mar e eu fiquei com aquela memória daquele lugar que eu não sabia como chamava, não sabia que chamava Urca, achei lindo! Gente, nunca na minha vida, eu poderia imaginar: A) que eu fosse morar na Urca, B) que eu fosse ser dona de uma escola na Ur… isso, nossa mãe, jamais! Terceiro: que eu viria

00:04:00
ter uma certa liderança no bairro e seria presidente da associação de moradores. Nunca! Nunca! A vida é mesmo imprevisível, né? Aí, quando eu… compramos o apartamento aqui, que eu vim morar, que eu dei de cara com a mureta… Ahhhh… é aquele lugar! É aquele que eu vi aquele dia! Foi assim que eu conheci a Urca.

Alexandra — Um sonho realizado, né?

Celi – Pois é! E aqui estou desde 1971.

Mídias adicionais

Termos de uso da Obra

Termos de Uso: Essas narrativas pessoais (entrevistas gravadas) são disponibilizadas para fins de pesquisa com permissão do Instituto Urca, os produtos de pesquisa devem ser compartilhadas com o Instituto Urca. Para obter mais informações sobre outros tipos de uso e permissões, entre em contato com o Instituto Urca.

Cessão de direitos: Todos os direitos das narrativas pessoais (entrevistas gravadas), incluindo, mas não restritos à titularidade legal, direitos autorais e de propriedade intelectual e literária, elaborada em conformidade com a Lei 13.709/2018 (LGPD), aqui obtidas, foram transferidos para o Instituto Urca.

Agua!nabara – Território Urca é uma realização do Instituto Urca, da Secretaria Especial da Cultura, Ministério do Turismo e Governo Federal através da Lei de Incentivo à Cultura com o patrocínio da Companhia de Navegação Norsul.

Skip to content